quinta-feira, 6 de março de 2008

Comunidade quilombola se organiza para lutar por direitos e identidade cultural

Uma das três comunidades quilombolas de Palmas, no bairro São Sebastião comenta sobre sua organização e alguns aspectos da história
O bairro São Sebastião do Rocio, no município de Palmas possui algo em especial. Ele abriga a comunidade quilombola Adelaide Maria Trindade Batista. Os moradores do local, são em sua maioria descendentes de escravos que chegaram no local por volta de 1836 e que de geração em geração repassaram a cultura negra e a motivação para lutar pelo espaço de terra.
Quilombolas ou remanescentes de quilombolas como também são definidos, são grupos de famílias que permaneceram em áreas onde à época da escravidão, os negros formaram quilombos.
Onde fica hoje, o aeroporto era território de negros, dos quais, alguns foram indo embora em busca de melhores condições de vida. Alguns também eram enganados quando orientados a vender seus terrenos por preços muito inferiores ao real, sob o discurso de que a Aeronáutica visava tomar a posse do local. Foi assim que o poder público foi tomando para si os terrenos deixados.
Cultura
Uma das lideranças da comunidade, Maria Arlete Ferreira da Silva tem 64 anos e conta que quando criança ainda viveu muito a cultura negra no bairro. “Eu morava com minha avó e lembro que as vestimentas eram típicas e os costumes como a lavação de roupa e o fogo de chão faziam parte do dia-a-dia”, relembra. O presidente da comunidade e coordenador estadual, Alcione Ferreira da Silva afirma que a tentativa de preservar alguma coisa da cultura é constante e que ele, memso mais jovem, também participou do modo de vida dos quilombos.
Com a apropriação dos terrenos pela prefeitura, pessoas de outros diversos lugares foram colocadas para morar no bairro, e segundo as lideranças quilombolas do local, em sua maioria não compreendiam nossa cultura. As festas por exemplo, que ocorriam em quatro dias, com leilões de porcos, galinhas e outros animais, com a procissão e os bailes, tiveram que ser reduzidas a um dia, com apenas a procissão e um matinê. “Por não entender nem respeitar nosso povo, algumas pessoas causavam desordem nas festas. Perdemos um irmão quilombola, que foi assassinado a facadas por um morador do bairro que não era quilombola”, conta.
Segundo o presidente, a sociedade palmense recebe bem a existência das comunidades quilombolas, mas sabe também que muitos camuflam o preconceito. “Existe sim, o reconhecimento da luta do negro, mas há os que escondem o preconceito com o falso reconhecimento”, aponta.


Religião e identidade
A religião foi o primeiro fator da perda de identidade dos escravos, quando chegaram ao Brasil. O batismo, na religião católica dava aos negros novos nomes. “Na minha família, todo mundo é Maria”, diz a líder que nunca ouviu falar de alguma religião própria africana. Ela relata que a primeira imagem de São Sebastião foi trazida pela escrava que dá o nome a comunidade, Adelaide Maria Trindade Batista e que os fazendeiros vinham até o local para rezar. “Primeiramente as missas eram realizadas por um capelão, depois, foi integrada a diocese e assim se formou nossa igreja”, observa.
O presidente reconhece a existência de outras religiões do povo negro na época da escravidão e comenta que houve uma aceitação forçada. “Eles eram dominados, ou entrava para a igreja católica ou ia pro tronco, morria”, salienta. Além disso ele cita a capoeira como um exemplo dos disfarces que os escravos usavam para despistar os senhores da fazenda. “Eles faziam como se fosse uma festa, mas a verdade é que estavam preservando a cultura e aprendendo a lutar para se defender”, diz.
Silva acrescenta a questão da identidade dos negros, enfatizando o ato de Rui Barbosa que queimou todos os documentos refrentes a vida deles antes de chegarem no Brasil. “Eu sei que seou um descendente de africanos, mas diferente de italianos e outras descendências, não sei em que região ou país da África minha família viveu”, lamenta. Ele garante que a luta para recuperar isso existe, mas que é lenta para os negros.

Direitos
“Não queremos nada mais que igualdade de direitos”, dia o presidente da comunidade quilombola, que é a favor, por exemplo, das cotas universitárias para negros, embora admita que só é necessária uma política como esta, quando há desigualdade. “Se não tiver essa lei, encontramos muita dificuldade”, diz.
Já, sua mãe e líder, Maria é contra, salientando que isso acentua ainda mais o preconceito, já que mesmo com uma vaga na universidade, o negro continua a margem da sociedade e muitas vezes não possui condições nem para comprar o material escolar.
A respeito das políticas públicas, eles enfatizam que um município que tem comunidades indígenas e quilombolas é privilegiado, já que muitas verbas vem destinadas a elas, aliviando para a prefeitura na questão de orçamento, no entando, o acesso a estes recursos para todas as áreas públicas, é mediado pela administração municipal e a falta de empenho da mesma acaba por dificultar o processo.


LARISSA MAZALOTI


Material publicado no Jornal Folha de Palmas de 07 a 13 de março de 2008


Nenhum comentário: