sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

COTIDIANO

Gente como a gente cata o lixo que não é lixo para sobreviver

Quanto vale 52 ou 71 quilos de material reciclável? Até para eles que necessitam de grana, a importância está na contribuição com a limpeza da cidade e do meio ambiente

Por Larissa Mazaloti

A pauta é um mero mapa na mão de um jornalista. Tem uma rota definida, e ao mesmo tempo, o mundo todo. E foi assim, não desviando, mas ampliando, que conheci a Cooperativa dos Trabalhadores Familiares da Saúde Ambiental (COTFASA).
Aquela segunda-feira amanheceu relativamente cinza em Palmas. Mochila nas costas, mp4 tocando a trilha sonora de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (emocionante filme francês) e pedaladas tranqüilas às 8h da manhã. Rumo à casa de um entrevistado, não imaginava que a volta seria, no mínimo um campo minado de coisas interessantes.
Foi retornando para casa, preocupada com a entrevista que não rendeu, passei por um barracão de tijolo a vista, basculantes com vidros quebrados e uma faixa balançando com o vento: “Cooperativa dos Trabalhadores Familiares da Saúde Ambiental (COTFASA)”. O local ainda estava vazio, e apenas um homem parado à porta: não me senti a vontade para chegar. Mais adiante, um carrinho transbordava o lixo que não é lixo e escondia atrás dele, Pedro e Jocelei Santos.
Há quatro meses Pedro assumiu a coleta de lixo reciclável como seu novo emprego, apesar de ter ajudado seu tio na função antes. Sentia vergonha, mas como diz sua mãe, Jocelei, vergonha é roubar. Pedro é, dos dez, o filho mais velho, com 20 anos, mas com uma postura de rapaz maduro. Na companhia da mãe, de riso fácil, ele trabalhou no domingo, das 16h às 18h e naquela manhã de segunda já iam fazer a pesagem do material.
Por causa do movimento, os dias de semana dificultam o trabalho e tudo fica mais demorado e é nesta rotina, que os catadores encontram uma maioria que contribui para o serviço e àqueles que não escondem o preconceito por quem junta o lixo dos outros. Pedro e Jocelei ouviram falar que em 2008 o caminhão de lixo reciclável vai parar e apostam nisso como esperança de coletar um volume maior de papel, papelão, vidro, plástico, alumínio, entre outros.
Até que Andréia Lurdes chegasse para preencher o relatório e pesar o material, além de Pedro e Jocelei, Augusto de Andrade e Maria de Fátima Rosa separavam o material, pois cada tipo de reciclável tem seu preço. Para o casal Augusto e Maria de Fátima, o sustento, há quatro anos depende do lixo que não é lixo, além dos trabalhos domésticos dela, na parte da tarde. O carrinho, também recheado, se encheu no caminho de casa até a cooperativa. Eles começaram às 5h30min da manhã.
A cooperativa garante uma cesta básica a cada 18 dias de trabalho, um número reduzido por mês devido às intempéries e outras condições de quem trabalha em todo canto e ao ar livre. O resultado do trabalho, para o jovem Pedro, vai além dos valores diários que correspondem aos quilogramas de lixo reciclável. “O importante do nosso trabalho é que ajudamos a limpar a cidade”, comenta.
Vamos ao que interessa? Dificilmente alguém pensa o quanto à produção de lixo em sua casa pode equivaler em reais, em centavos, mas para os ajudantes do meio ambiente, estes são importantes preços do seu mercado de trabalho.

Preço pago por quilograma:

Vidro: R$ 0,02
Litros de vidro liso (ex: Aguardente Jamel): R$ 0,20
Ferro e lata: R$ 0,20
Papel branco, papelão e plástico: R$ 0,25
Garrafão de vinho: R$ 0,50
Baterias elétricas: R$ 0,60
Inox: R$ 1,50
Alumínio: R$ 2,30
Cobre: R$ 7,00

Cobre ou bateria elétrica não são materiais fáceis de comercializar por serem, muitas vezes roubados. A responsável pela balança, Andréia Lurdes, diz que nunca pesou uma bateria. Enquanto os dois carrinhos eram descarregados, um senhor vindo do bairro Alto da Glória chegava para buscar o seu e iniciar o dia de trabalho. E é Andréia quem comunica aos catadores qual vai ser o lucro do dia. Maria de Fátima e Augusto juntaram, de casa até a cooperativa, 52 quilos de material, o que em dinheiro somou R$ 12,85. Pedro e Jocelei, com o trabalho de domingo, reuniram 71 quilos de lixo reciclável, o que resultou em R$ 16,58. Ao se despedirem, eles voltaram para casa, que fica na saída para o campus do centro universitário, para buscar mais uma carga e voltar para a cooperativa, que fica próxima ao frigorífico da cidade.
Ainda no caminho, o menor E.A., de 14 anos empurrava um carrinho quase vazio. O ofício que substitui a brincadeira nas férias da escola é para ajudar a mãe que trabalha no mesmo ramo. E.A. está na quinta série e apesar de sua disciplina preferida ser educação física, ele não quer ser um jogador de futebol como muitos meninos do Brasil: o sonho é ser médico, uma profissão de extrema concorrência nos vestibulares. Que em algum Natal o Papai Noel traga este presente ao pequeno.
Publicado no Jornal Folha de Palmas, de 21 a 27 de dezembro de 2007.

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